Por Dra. Alcina Barros.
Aqui vos escreve a médica e a vítima da tragédia, em tempo real. Se consigo escrever, é porque sigo fisicamente íntegra, assim como meus familiares; porém emocionalmente devastada por tudo o que vem ocorrendo ao redor. Ser psiquiatra em momento de crise não é como nos filmes de super-heróis: trocar a roupa social pelo traje brilhante e colorido, ter poderes especiais e salvar o mundo, de forma rápida, imediata. Minha casa, rotina, vida, também foram afetadas. Por enquanto, não temos previsão de quando o terror vai passar, as chuvas e ventos vão parar, a enchente será resolvida. Aeroportos, estradas e rodoviárias destruídos. A paisagem, uma vez conhecida e rotineira, se tornou algo dismórfico, estragado, sujo, fedorento, horripilante. Perda, morte, luto, desespero estão aqui.
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (o famoso TEPT) e Estresse Agudo, são conceitos já bem conhecidos. Vou falar agora de um tema específico, que precisará ser lembrado nessa hora: o trauma vicário. E o que seria isso? Em 1990, as psicólogas norte-americanas McCann e Pearlman identificaram e definiram um tipo de trauma psicológico indireto, com efeitos disruptivos e dolorosos, que acometia psicoterapeutas, gerado pelo engajamento empático com o material traumático dos pacientes. Esse engajamento resultava em transformação nas experiências internas do psicólogo e ocorria quando o profissional era exposto às descrições gráficas de material traumático, afetando seus atributos pessoais, profissionais e comportamentos éticos. O conceito foi depois expandido para outras profissões que envolvessem esses mesmos elementos: escutar, ver o trauma que afetou os outros. Deste modo, os profissionais (médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, bombeiros, policiais, entre outros), voluntários ou não, que atenderem às vítimas, dessa tragédia regional de repercussão nacional, devem reconhecer a possibilidade de sofrer esse trauma.
A prevenção do trauma vicário e a manutenção da capacidade de trabalho e saúde mental dos profissionais recai na auto observação de seus limites psicológicos, físicos, emocionais e no tratamento psicoterápico pessoal de cada um. Atender vítimas de trauma é um trabalho louvável e necessário, mas que exige responsabilidade e requer um estado saudável daqueles que oferecem auxílio. Assim, precisaremos de muitos profissionais de todo país, verdadeiramente interessados em ajudar, para que seja possível um revezamento e para que nenhum se sobrecarregue a ponto de também adoecer.