Fonte: Ágata Luz, g1 Santos.
Diagnosticado com transtornos de espectro autista (TEA) e deficit de atenção com hiperatividade (TDAH), um menino de oito anos transformou em livro a experiência de ter o que ele chama de ‘fizzy brain’ (em português, ‘mente borbulhante’). A obra de Noah Faria fez tanto sucesso que hoje ele dá palestras sobre o tema para centenas de crianças em Londres, na Inglaterra.
O garoto seguiu os passos da mãe Renata Formoso, de 39 anos, que é escritora. Ela é de Santos, no litoral de São Paulo, e se mudou para Londres com o pai de Noah há 15 anos. O menino nasceu na capital da Inglaterra, mas tem nacionalidade brasileira e britânica. Ele ainda fala português fluentemente, visita o Brasil todo ano e se considera santista.
Ao g1, Renata revelou que apesar de escrever livros, só auxiliou na produção do exemplar do filho, intitulado ‘The Fizzy Brain’. Totalmente rimado, o livro infantil busca normalizar as características de pessoas com autismo e TDAH, conscientizando que diagnósticos não influenciam em quem cada um é.
De acordo com ela, a ideia do livro surgiu durante uma conversa com Noah sobre a carta de diagnóstico de TDAH escrita pela médica. No documento, a profissional escreveu que o menino disse sentir o cérebro falar com ele de forma tão rápida que não conseguia entender algumas vezes.
“Quando estava explicando para a médica, ele falou que o cérebro dele é como se fosse ‘fizzy’, como se fosse borbulhante”, explicou Renata.
Durante a conversa, mãe e filho começaram a fazer rimas sobre o assunto. “Dizendo que não é um problema”, relembrou a mulher. Em determinado momento, ela percebeu que aquele papo poderia ser um livro e revelou o pensamento ao filho, que se empolgou com a ideia.
Produção
Incentivada pelo menino, Renata passou a se organizar para a possibilidade de uma nova obra. Ela entrou em contato com uma designer que é autista nível 2 de suporte e tem TDAH, que topou ilustrar o livro.
“Precisou de um tempo maior do que os livros que estou acostumada porque eu entendo que quando se trabalha com pessoas neurodivergentes precisa ser neurocompatível, quer dizer, ter mais paciência e esperar o tempo que eles precisam. Então teve um prazo maior, tudo feito no tempo deles, inclusive a diagramadora também é autista”, descreveu.
Ainda segundo a escritora, o livro ainda contou com a ajuda de um psicólogo e uma médica psiquiatra. “Os dois são autistas e escreveram no final do livro do Noah termos médicos para ajudar outros pais e mães que tenham filhos que possam achar que são neurodivergentes”, explicou.
A obra foi lançada por meio de um financiamento coletivo em dezembro de 2023. Agora, a intenção da família é publicar uma edição em português. “O Noah está super orgulhoso”, disse a mãe.
Palestras
Com a publicação do livro, a escola em que Noah estuda em Londres o convidou para fazer uma leitura para as crianças e responder algumas perguntas por meio de uma palestra. O menino topou, fez sucesso e passou a ser convidado por outras unidades escolares.
No Dia Mundial do Livro no Reino Unido, celebrado na última quinta-feira (7), Noah esteve em uma escola pública como autor convidado.
“Foi muito maravilhoso. Sempre vêm perguntas muito importantes das crianças para ele. Óbvio que eu estou junto ali para responder qualquer coisa que ele não saiba, mas eu vejo que ele fica muito confortável em responder, e em aprender também”, disse Renata.
Ela contou que a família busca balancear os eventos para que sejam saudáveis e leves, pois não quer sobrecarregar o menino. “Isso tem que ser uma coisa divertida, enquanto ele gostar”, afirmou.
A próxima palestra de Noah será a primeira aberta ao público em geral, em uma biblioteca pública. Além disso, o garoto também já foi convidado para um evento em abril, na semana de conscientização do autismo. “Vão fazer um ambiente sensorial e inclusivo junto com uma ONG sobre autismo e convidaram o Noah para ser o palestrante”.
Diagnósticos
Noah foi diagnosticado com o autismo nível 1 de suporte aos cinco anos. Segundo Renata, ela foi alertada sobre a necessidade de procurar um neuropediatra por uma professora da creche do menino, quando ele ainda tinha três anos.
“Um dos sinais era que ele tinha muito hiperfoco. Ele é muito musical, toca bateria desde os dois anos de idade. Lê, escreve em português e inglês desde os dois ou três anos também. E ele era rígido com mudança de rotina”, revelou.
Noah passou a ser acompanhado pela psicóloga da creche que o encaminhou para atendimento médico. “Só que aí chegou a pandemia [da Covid-19], então demorou dois anos para que ele pudesse ter essa consulta”, explicou Renata.
No entanto, já na primeira vez presencialmente com a neuropediatra, fonoaudiólogo e terapeuta ocupacional, Noah foi diagnosticado com autismo. “Foi então que a gente começou a mergulhar no assunto”, disse a mãe, que passou a conversar sobre o tema com o próprio filho. “Ele nunca teve vergonha ou algum problema quanto a isso”.
Naquela época, Renata já notou sinais de TDAH na criança, mas ouviu da médica que ainda era cedo para diagnóstico e Noah não teria nenhum prejuízo pela falta dele. A família seguiu assim até o menino passar a ser prejudicado na escola.
O aluno passou a perder minutos de brincadeira, pois não conseguia ficar quieto em certos momentos. Desta forma, a mãe entrou em contato novamente com a médica para explicar o caso e o TDAH passou a ser investigado.
Segundo Renata, o diagnóstico aos 7 anos melhorou muito a qualidade da vida escolar da criança. “Quando a escola tem o diagnóstico, é mais flexível, mais neurocompatível, como eu gosto de falar. Quando o Noah está muito inquieto, dão massinha para brincar enquanto presta atenção e ele se concentra muito mais”, exemplificou.https://71a5dcf6604f9622133625bd17e769cd.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html
Inglaterra e Brasil
Noah e a família moram em Londres, mas dentro de casa falam português. Além disso, o menino visita o Brasil regularmente. “Ele sempre passa um mês por ano, ama o Brasil, se considera brasileiro, santista e temos um contato super próximo com a nossa família. Todo ano uma das avós vêm passar o verão com a gente para ficar perto do Noah”, disse Renata.
A mãe da criança explicou ter como objetivo que o filho saiba da cultura brasileira para se sentir pertencente quando visitar o país. “Os meus livros infantis falam sobre português como língua de herança, que é para incentivar as crianças que moram fora a manter o português e a cultura brasileira acesa”, finalizou.