Manual de boa comunicação com seus filhos

Por Dra. Mariana Bandeira Formiga –

É difícil ser pai ou mãe. E não precisa exercer nenhum desses dois papeis para supor o desafio que estes enfrentam. A parentalidade envolve uma combinação turbulenta de emoções. É árduo ver os filhos sofrerem, serem rejeitados, cometerem erros, tropeçarem e caírem. Porém, é maravilhoso observá-los superarem obstáculos, progredirem, encontrarem a coragem de serem mais plenamente eles mesmos e descobrirem seu próprio senso de propósito na vida.

A flexibilidade e a inflexibilidade psicológica interferem significativamente na qualidade da relação parental que você desenvolve com seu filho. Em poucas palavras, estes dois termos estão relacionados ao modo como você lida com o seu mundo interno, que são suas emoções, pensamentos, sua história de vida armazenada nas suas lembranças.

Vamos lá!

A inflexibilidade psicológica dos pais dificulta a interação saudável com os filhos. E mais: a inflexibilidade parental prenuncia significativamente a ansiedade das crianças, seu mau comportamento, a insegurança, a reação às situações desafiadoras, entre outras.

Vamos entender a inflexibilidade?

Imagine você – na sua função de pai ou mãe – vendo o seu filho em um cenário doloroso. Sua mente lhe diz que seu filho está sofrendo. Como você se sente?

(Reserve uns instantes para pensar antes de prosseguir com a leitura).

Certamente você sente algum desconforto diante desta cena. Pode ser que você se sinta triste ou angustiado ou com raiva ou decepcionado ou ansioso ou impaciente ou… (tente dar um nome ao que você sente)… Depois de nomear, prossiga com a leitura…

Vendo seu filho sofrer… Qual seu impulso? Como você reage na maioria das vezes? Como você se comporta? Se você estivesse sendo filmado neste momento e fossemos assistir as gravações, o que veriamos você fazendo? Identifique sua ação e, só após essa tarefa, dê continuidade a leitura.

(Reserve uns instantes para pensar antes de prosseguir com a leitura).

É bem provável que a sua mente inicie uma rápida busca de uma solução para sanar a dor do seu filho. É instintivo. E você não está errado. Parece óbvio. Pode ser que, enquanto você lê, a sua mente lhe faça uma pergunta retórica “e esta não é a obrigação dos pais: ajudarem os filhos?

Sim! Eu concordo com você. Porém, existe uma etapa do meio que, provavelmente, você não foi ensinado, porque seus pais também não aprenderam. E, se você não aprender hoje, os seus filhos também herdarão a mesma dificuldade.

Voltando.

Imagine seu filho sofrendo. Isso também te causa sofrimento. Ao se sentir desconfortável com o sentimento que você experimenta ao perceber seu filho sofrendo, rapidamente você busca uma solução para sanar a dor dele, com o intuito de que a sua dor de vê-lo sofrer desapareça. Você está sendo inflexível com a sua dor. Você não quer senti-la e, para não senti-la, você está disposto a qualquer ação.
Desse modo, você pode minimizar a dor que ele sente (“isso é bobagem”; “não tenha medo”) ou oferecer uma ideia de solução para o problema que ele enfrenta “faça isso, faça aquilo”, mas, infelizmente, nem sempre é tão prático assim. Outras reações bem comuns entre os pais são encerrar a conversa sem aprofundar com o seu filho o que houve, como ele está se sentindo; gritar com seu filho para ele parar de chorar; proferir palavras imperativas de autocuidado como “seja forte”, ou descaracterizar a dor utilizando o argumento quanto ao gênero “homens não choram” ou “as mulheres são guerreiras, devem ser fortes emocionalmente”; ou trazer a própria história de superação a tona “eu passei por coisas piores”, “você tem é sorte, tem mais privilégios do que eu tive”, “no meu tempo não tinha isso”. Há incontáveis ações invalidantes, ou seja, que não reconhecem aquela dor como legítimas e dignas de consideração. É, eu sei, você não tem a intenção de ser invalidante, mas o seu comportamento está sendo.
É duro ser pai ou mãe, você sabe disso, você percebe também a dificuldade nos comentários dos outros pais ou mães. Sinta-se acolhido com a sua dificuldade neste momento.

Ah, e acredite: por mais “bobagem” que possa parecer a dor do seu filho, não é uma escolha dele sentir esta dor. E o seu acolhimento – pai ou mãe – é um diferencial para tornar esse momento uma etapa de crescimento. E impactar positivamente o vínculo com seu filho.

Nessa altura, você deve estar se perguntando: se não devo oferecer soluções instantaneamente para o problema, o que posso fazer?

A seguir, três passos que poderão transformar profundamente a sua comunicação com seu filho:

Observe a si mesmo, identifique os seus próprios sentimentos, acolha-se e, depois, compartilhe com seu filho o que você percebeu sobre si.

Exemplo:

Ao invés de:

A mãe se vê dizendo à filha: “Você precisa aprender a aceitar seus sentimentos”, “Aprenda a lidar com este medo” e “faça mesmo com medo”.

Embora a mãe tenha a intenção de ajudar a filha, motivando-a a enfrentar o medo, esta alternativa dificilmente surte o efeito desejado. Consulte a sua experiência e constate a eficácia desta interação.

Substitua por:

Comece refletindo: se é doloroso presenciar a dificuldade desoladora de sua filha, você pode começar por aceitar e compartilhar esse fato?

E, então, comece o diálogo:

Mãe/pai: eu me sinto triste e impotente (reconhecendo, nomeando e verbalizando o sentimento que você experimenta) ao ver você sofrer com uma luta contra o peso (nomeie a dificuldade). Isso me dói o coração. Já estive em situações muito parecidas e me lembro do quão desmotivada, com baixa autoestima e desesperançosa me senti — quase como se não fosse certo ser eu mesma. Acreditava que deveria ser consertada para que os outros quisessem estar comigo. (validando e reconhecendo o desafio enfrentado. Caso você não tenha passado por algo parecido, pode substituir por: não vivi algo parecido, me permita conhecer como é estar no seu lugar…). Você está passando por algo assim? (ou, me deixe entender como é estar no seu lugar).

Faça perguntas antes de avançar para a busca de soluções

Ao invés de:
Avançar a conversa para a busca de soluções, como “você tem que seguir a dieta; você deve evitar comidas doces”.

Substitua por:

Comece refletindo: você pode se permitir sentir o desconforto que vai surgir em você ao ouvir as dores do seu filho, sendo flexível com você mesmo, acolhendo a sua emoção e a sua dificuldade? Você pode se permitir permanecer mais tempo na conversa, fazendo perguntas subjetivas para conhecer o mundo interior do seu filho?

E, então, comece o diálogo:

Mãe/pai: Entendo. Você estaria disposta a me ajudar a entender um pouco mais sobre como é isso? Quero ouvir um pouco sobre seu mundo interior, como você se sente neste momento?
O que você sente é importante para mim, eu quero ouvi-la. Como é quando esses sentimentos realmente surgem?

Agradeça a abertura e a confiança do seu filho.

Ao invés de:
Forçar um diálogo com seu filho e impor uma reação desenhada por você. “Você precisa me dizer o que está acontecendo”; “vai ficar de castigo enquanto não me contar”, “você tem que fazer isso para resolver esta situação”

Substitua por:

Comece refletindo: pode ser difícil para seu filho te contar algo íntimo ou doloroso. Pode ser que no histórico de comunicação de vocês, ele tenha sido punido e tenha medo da sua reação. Vocês estão fazendo uma nova tentativa, que o deixa vulnerável ao medo e à insegurança do que pode acontecer quando ele se abrir.

E, então, comece o diálogo:
Mãe/pai: Obrigada por dividir isso comigo, por confiar em mim. Por me dar uma nova chance, ou melhor, por nos dar uma nova chance. Sinto-me mais próxima de você quando sei o que sente, mesmo que seja um sentimento difícil de compartilhar e de ouvir. Você pode contar comigo para te ouvir.

Ofereça ajuda e suporte para encontrar estratégias para o que está acontecendo.
Pergunte ao seu filho o que ele já fez para tentar solucionar (você vai poder compreender o histórico de tentativas), que opções ele cogita atualmente (incentiva a autonomia), e ofereça ajuda para pensar em novas alternativas. Dê exemplos do que funcionou com você, mesmo que sejam pessoas diferentes e cada um funciona de uma forma personalizada. Dê um tempo para refletir e elaborar o que conversaram.

Um lembrete: às vezes, pode ser uma questão sentimental e não há soluções para sentimentos, porque sentimentos não são problemas a serem resolvidos, mas experiências a serem sentidas.

Espero que as dicas tenham sido úteis.

O objetivo deste texto é gerar reflexão, é incentivar você a perceber tanto o que surge dentro de você, identificando seus sentimentos, como o que você externaliza, que são seus comportamentos, as suas reações.

Não tive o objetivo apenas de apresentar informações.

Eu quero te incentivar a quebrar o ciclo que se repete. Como será a sua vida e a sua relação com seu filho, se a sua comunicação com ele melhorar? Se vocês desenvolverem um vínculo forte de confiança? Ainda está em tempo. Se o texto ficou confuso, sugiro que releia. E pratique a auto observação.

Sobre a autora: Mariana Bandeira Formiga, psicóloga clínica com experiência em psicoterapia de adolescentes, adultos e idosos. Graduada em psicologia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com mestrado e doutorado em Neuropsiquiatria pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), especialista em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), formação em mindfulness.

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