Fonte: Nexo.
A escola é um dos lugares em que crianças e adolescentes brasileiros passam a maior parte do seu tempo, mas esse ambiente não é composto apenas por eles. Também integram a comunidade escolar todos os profissionais da educação e os responsáveis por cada estudante. Por isso, a recém criada Política Nacional de Saúde Mental nas Escolas pode fazer a diferença na vida de mais de 47 milhões de pessoas, tornando as escolas um ambiente mais acolhedor para todos e todas. Mas o que falta para isso acontecer?
O primeiro passo é aprender com os erros do passado. A saúde mental nunca foi uma prioridade nas políticas públicas e a inclusão de crianças e adolescentes enquanto sujeitos dessas políticas foi tardia. De acordo com um levantamento realizado pelo IEPS (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e Instituto Cactus, apenas na virada dos anos 2000 que isso começou a acontecer. A pesquisa revela que, apesar da distribuição desigual no território nacional e da evolução mais lenta quando comparado a serviços destinados a adultos, a criação no SUS dos CAPSi (Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil é a principal expressão de política pública de saúde mental voltada para este público. Contudo, os CAPSi, que possuía apenas 285 unidades em 2022, não foram integralmente implementados, pois ainda se dedicam majoritariamente aos casos mais graves.
Da mesma forma, até o ano passado o PSE (Programa Saúde na Escola) não incluía ações de saúde mental. Foi preciso uma pandemia e uma onda de violência nas escolas para que o assunto recebesse a devida atenção. Foi impossível fechar os olhos para o sofrimento e adoecimento da comunidade escolar, que precisou lidar com as consequências do isolamento social, com os efeitos de anos de negligência no cuidado em saúde mental e com mudanças no estilo de vida com a intensificação, por exemplo, do uso de telas e redes sociais. Além das dificuldades de aprendizagem e a evasão escolar, foi preciso também lidar com famílias enlutadas e desestruturadas economicamente. Nesse contexto, somente uma força-tarefa intersetorial seria capaz de lidar com esses desafios.
Por isso, foi possível também aprender com os acertos. Os CAPSi, o PSE e a intersetorialidade entre Saúde, Educação e Assistência Social, na prática, é o que a Política de Saúde Mental nas Escolas aposta para se tornar realidade, articulando o que já existe e funciona bem. No mesmo ano em que o PSE passou a realizar ações de saúde mental, o Programa bateu recorde de adesão com 99% das cidades habilitadas para participação. Estamos diante de uma oportunidade única.
Este é o momento ideal para iniciar a implementação da Política de Saúde Mental nas Escolas, uma Lei que foi aprovada com amplo consenso no Congresso Nacional após uma longa trajetória de debates que mobilizou diversas organizações da sociedade civil, incluindo o IEPS. Para dar esse importante passo de consolidação da Política, sugerimos a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial, coordenado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Ministério da Educação e do Desenvolvimento Social. Dessa forma, será possível estabelecer as diretrizes para o cumprimento da Lei e para a continuidade do processo de fortalecimento do PSE, possibilitando também a sua ampliação através de adesão por escolas estaduais.
Com a Lei saindo do papel, novos dados serão produzidos e vão atualizar as evidências científicas sobre a saúde mental de professores, demais profissionais da educação, estudantes e seus tutores. A escola pode passar de lugar potencialmente adoecedor para um lugar acolhedor que ensina português, matemática e a cultura do cuidado consigo e com o outro. Políticas públicas resilientes são de interesse de quem se preocupa com o futuro aprendendo com os erros e acertos do passado.