O tratamento de transtornos mentais envolve o incentivo à prática de exercícios e acompanhamento terapêutico. Algo que ainda se fala pouco é sobre o quanto uma alimentação saudável pode ser aliada para a manutenção da saúde mental.
No último dia 10, foi comemorado mundialmente o Dia da Saúde Mental e no dia 16 o Dia mundial da Alimentação. Para entender como os dois assuntos se relacionam, o #gd conversou com Islla Schimoller, nutricionista e mestre pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que desenvolveu sua pesquisa com base na associação entre obesidade e depressão, bem como influência da alimentação nesses aspectos.
Gazeta Digital – Existe uma relação entre a alimentação e as emoções humanas?
Islla Schimoller – Sim, existe uma ligação entre intestino e cérebro. Você precisa fazer o estímulo no seu intestino. Na nutrição a gente chama de microbiota (ou flora intestinal), que influencia no nosso cérebro e na questão cognitiva. Quando a gente se alimenta melhor, com um consumo melhor de fibras e probióticos tudo isso faz com que você tenha bactérias benéficas em seu organismo que farão coisas melhores para o seu cérebro.
Se alimentar é como abastecer um carro. Quando você coloca gasolina no carro para ele andar melhor, você busca a melhor gasolina porque se colocar uma “coisa qualquer”, ele vai “pifar”. É a mesma coisa com nosso corpo. Com uma alimentação errada ele vai dar um jeito de se manter vivo, mas não vai funcionar da forma como deveria. Por exemplo, é muito comum as pessoas não irem ao banheiro diariamente, mas não é normal. O normal é ir ao banheiro todos os dias.
A gente normalizou coisas até no nosso corpo, como sentir dores, mal-estar como se fosse normal. Não é. Com a alimentação de dentro para fora, com os exercícios e com a terapia você vê uma melhora na qualidade de vida e percebe que muitas coisas não são normais.
Gazeta Digital – Como uma alimentação errada pode influenciar em quadro de transtornos mentais?
Islla Schimoller – Durante o mestrado eu pesquisei bastante. Hoje o nosso intestino é o que a gente chama de o “segundo cérebro”. Então, quando a gente come muitos produtos ultraprocessados, com muito sódio ou gordura, leva a uma alimentação mais inflamatória que faz com que nosso corpo responda.
Geralmente quando uma pessoa tem ansiedade ou depressão, ela “desconta” na alimentação, com a tendência a se alimentar de coisas mais palatáveis, com mais gordura e mais açúcar. A depressão também tem um caráter inflamatório e quando isso ocorre e comemos mais ainda esses alimentos, estamos sobrecarregando nosso corpo e essa inflamação leva a alterações metabólicas e fisiológicas, que ditam também nosso comportamento alimentar.
Gazeta Digital – Como manter uma boa alimentação constante auxilia em tratamentos relacionados à saúde mental?
Islla Schimoller – Alimentos naturais, como frutas, verduras e muita água, auxiliam a diminuir a inflamação, aumenta o nível de nutrientes, vitaminas e minerais que ajudam a regular os hormônios que essa pessoa possa ter desregulado por conta da patologia.
Dependendo do local, existem alimentos que podem ser inseridos, como canela e cúrcuma, são temperos que podem auxiliar na diminuição de índices importantes do corpo, auxiliando no desenvolvimento cognitivo da pessoa.
Se a pessoa não tiver uma alimentação equilibrada com terapia e exercícios, ela não estará 100% apta a uma vida saudável, ela sempre estará caminhando para uma questão de um organismo desregulado nutricionalmente.
A alimentação saudável contribui tanto para a pessoa melhorar fisicamente e mentalmente como para ajudar no tratamento, principalmente medicamentoso. Uma alimentação balanceada, com a quantidade correta de vitaminas e minerais, potencializa os efeitos tanto do tratamento quanto dos exercícios físicos. Ela tem o poder de potencializar todos os tratamentos.
Gazeta Digital – Na sua avaliação, qual a maior dificuldade em manter uma alimentação saudável e balanceada?
Islla Schimoller – Quando falamos da obesidade, por exemplo. O mundo está mais obeso e a sociedade tem tendência a pensar que isso tudo é culpa do indivíduo, que ele escolheu ser obeso, se alimentar mal e não praticar exercícios físicos. A gente tem que lembrar a realidade do brasileiro.
O brasileiro, a classe trabalhadora não tem, muitas vezes, tempo para fazer atividade física ou acesso a um tipo de alimentação saudável. Infelizmente, hoje o problema da má alimentação não é individual, não é só uma escolha. Hoje a gente vê muitos produtos que não são de origem natural que são, às vezes, muito mais baratos. É um problema social.
Na internet, a gente vê um estereótipo do que é a alimentação. Não é difícil escolher uma alimentação saudável, a gente consegue fazer escolhas e trocas, dentro da realidade de cada pessoa, olhando onde cada pessoa está inserida. É possível fazer escolhas melhores, mesmo em uma sociedade que força a ter um padrão.
Gazeta Digital – Que outro papel a alimentação pode desempenhar na vida humana, além de alimentar?
Islla Schimoller – O “comer” não é apenas fisiológico, ele tem mistura de cultura, familiaridade social e outros fatores. Pessoas com depressão ou ansiedade, por exemplo, geralmente têm hábitos de comer sozinha, vendo alguma coisa ou procurar alimentos mais rápidos, o que influencia na qualidade da alimentação.
A alimentação não é apenas nutritiva, ela é social também. Precisamos ter o balanço entre o social, manter sua cultura e comer saudável.